15 de março de 2011

Por que as novelas ainda fazem sucesso?


Por Henrique Martins

Sinceramente não sei, mas posso supor. Talvez seja apenas para que o seu João e a dona Maria da esquina tenham algo sobre o que conversar no dia seguinte (se bem que o seu João provavelmente vai falar de futebol). Mas arrisco dizer que, como sempre, são as metas lucrativas de grandes grupos de comunicação, do governo e de cada bandido de colarinho branco que estão em jogo – e que permitem que o “Pão e Circo” continue e ganhe força (se eu falasse isso na época da ditadura já estaria fugindo do País sem nem levar a escova de dente).
Novela é uma ideia que deu certo (em especial no Brasil e demais países latino-americanos), nada mais lógico do que continuar produzindo-as, com a mesma fórmula de sucesso de décadas: mocinho bonitão, mocinha apaixonada, vilão que odeia o casal, coadjuvantes escrachados, e o blábláblá politicamente correto de dar nojo. De forma que a cada novela só mudam os atores (às vezes nem isso), as roupas (às vezes nem isso também) e a temática (o pior que algumas reutilizam até isso), mas a narrativa continua praticamente inalterada, com poucas mudanças sensíveis de uma para a outra. Mas, se o lucro é o objetivo final e “em cavalo que está ganhando não se mexe”, a mídia vai trabalhar dia e noite, não no “Pão”, e sim no “Circo”. (alguém aí gritou Zorra Total?)
Mas para entender como o formato atual de novela estende sua influência na sociedade é preciso voltar muito no tempo. Antes mesmo que Sócrates tenha torrado o saco dos atenienses pela Grécia e tomado seu suquinho de cicuta. É preciso entender o que são e para que servem os ARQUÉTIPOS (aquele assunto chato de intelectualóide de óculos fundo de garrafa). Os arquétipos são, basicamente, imagens primordiais do nosso subconsciente (como se isso por si só explicasse alguma coisa). Eles influenciam os indivíduos e suas relações interpessoais e estão presentes na psique de cada ser humano vivente desse mundo, em um suposto limbo nebuloso e imprevisível chamado Inconsciente Coletivo (Esquisito? Calma, vai piorar).
De acordo com os escritores de psicologia junguiana Calvin Hall e Vernon Nordby (melhor não falarmos de Carl Jung aqui senão a gente vira a noite), “a mente do homem é prefigurada pela evolução. Desta maneira o indivíduo está preso ao passado, não somente ao passado de sua infância, mas também, o que é mais importante, ao passado da espécie, e antes disso à longa cadeia da evolução orgânica”.
Olá! Eu sou Carl Jung e já estou morto há 50 anos.
 O inconsciente coletivo seria, então, a parte da psique que armazena os conteúdos inatos herdados pela humanidade. Estes conteúdos, por sua vez, são denominados arquétipos. Ou seja, arquétipos seriam, então, imagens primordiais, enraizadas na psique por meio de incontáveis gerações e que, em determinados momentos, são ativadas quando entram em contato com alguma vivência ou experiência. Com o passar dos séculos, alguns desmembramentos arquetípicos deram origem aos mais variados tipos de personagem: o príncipe em cima do cavalo, a mocinha indefesa, a bruxa malvada, o mestre feiticeiro, o bobo da corte, a virgem, a criança pura, a fera, e por aí vai.
 Sabe-se que roteiros de sucesso como O Senhor dos Anéis, Harry Potter e Matrix utilizam conceitos mitológicos e arquetípicos largamente usados em todas as culturas. Por exemplo, em Senhor dos Anéis é realçado vários aspectos admirados e universalmente aceitos, tais como: a jornada do pequeno Herói contra o Mal absoluto (a insignificância de Frodo VS a quase onipotência e onisciência de Sauron), a queda do Herói ante as tentações do poder (a sedução irresistível do Um Anel e a queda de Frodo ante seu poder maligno), e – depois de transformado pelo sofrimento – seu retorno à terra que deixou no passado a fim de cumprir seu destino heróico (o retorno de Frodo ao Condado).
A saga de Harry Potter trata do crescimento de uma espécie de Herói comum nas mais antigas narrativas gregas – aquele que não foi criado por seus pais verdadeiros. Em Harry Potter a ligação de Harry com Voldemort é íntima, pois – fora a magia, os feitiços, os artefatos e toda a temática que compõe a narrativa – existe o fato de que o vilão é o assassino dos pais do Herói órfão. E isso torna as coisas MUITO pessoais. O desenvolvimento desta jornada baseia-se no esforço do Herói em tornar-se forte o suficiente – tanto no aspecto físico e psicológico – para poder vencer o vilão e, em um nível simbólico, “encontrar” seus pais. Seja na forma de vingança contra o assassino ou pela libertação do ódio parasitário que o prende ao vilão.
Qualquer semelhança com Matrix
não é mera coincidência.
Matrix enfatiza a questão do “escolhido”, ou seja, aquele que está predestinado a salvar sua terra e a humanidade de algum mal (no caso, as Super Máquinas das Trevas from hell). A jornada deste Herói é cheia de sofrimento, pois ele sempre precisa sacrificar-se não só pelas pessoas que ama, mas pela humanidade inteira, cumprindo assim o destino que a imagem do “escolhido” evoca ou, em um sentido mais mitológico, a imagem do Messias plasmado em nosso inconsciente coletivo.
            Mas para entender realmente o sucesso das novelas temos que encontrar paralelos mais próximos do que grandes filmes. Seriados e novelas são exibidos periodicamente, mas em grande parte não possuem nenhum outro ponto em comum. Vejamos um seriado de grande sucesso como LOST. A primeira vista, para o telespectador mais casual, Lost trata apenas sobre pessoas perdidas em uma ilha. Mas, de acordo com um dos criadores da série, o roteirista Damon Lindelof, a série trata sobre pessoas metaforicamente perdidas em suas vidas, que pegam um avião e caem em uma ilha no meio do “nada”. Desta forma, elas se tornam fisicamente perdidas no mundo. A ironia disto é que elas só podem encontrar novamente seu lar depois que forem capazes de encontrarem a si mesmas. Em outras palavras, apenas quando descobrirem seus arquétipos dominantes e aprender a dominá-los, elas não se sentirão mais perdidas no caos de suas vidas.
Para compor este conceito, as personagens são obrigadas a viver em uma ilha misteriosa cheia de perigos e conspirações e, assim, aprender a confiar uns nos outros. O apelo à sobrevivência surge o tempo inteiro e a trama complexa e cheia de reviravoltas deixa os telespectadores tão perdidos quanto as personagens que compõem o cenário da série. Neste ambiente de medo e mistério as antigas fórmulas de roteiro cinematográfico que funcionaram por décadas caem por terra, os rótulos são descartados e não existe mais o conceito simplório de Herói, Vilão e Vítima. Todos, em algum momento, são obrigados a cumprir algum papel – algum arquétipo. A vencer seus medos e traumas do passado e, assim, atingir a redenção.
Mas novelas não se parecem nada com isso. Elas normalmente têm roteiros previsíveis, sem profundidade, personagens caricatos, clichês visuais, abusiva utilização de expressões da “moda”, além de ser uma fábrica de bordões. Então, porque novelas continuam a fazer sucesso? A questão é que a estrutura da novela brasileira encontrou um caminho rápido para acessar esse dispositivo mental de lembranças embutidas na própria programação do cérebro humano – os ESTEREÓTIPOS. Que são nada mais que um subproduto dos arquétipos. Uma forma pronta e sem profundidade.


Todo mundo sabe que é muito fácil estereotipar alguém com base em sua forma de falar, classe social, sexo, raça, idade, etc. É uma forma primitiva que o cérebro encontra para poder simplificar as coisas, afinal, ninguém consegue armazenar tanta informação de tanta gente. Nosso cérebro automaticamente sabe disso e procura te poupar do trabalho de conhecer a fundo cada pessoa que você conhece ou encontra na rua. Ele geralmente define pessoas novas com apenas uma palavra: Gorda! Feio! Gostosa! Arrogante! Vagabunda! Burro! Preguiçoso! Puta! Emo! – Só que na nossa sociedade cheia de julgamentos de valor esse processo mental tem outro nome: Preconceito.
Seria justo então dizer que as novelas estão intrinsecamente fundadas no preconceito? Seria arriscar demais, mas quem não afirmaria qualquer coisa para não ouvir novamente: “Cada mergulho é um flash!”, “Di catiguria!” ou “Né brinquedo não!”?
“Tô certo ou tô errado?”

6 comentários:

  1. Parece que tem alguém aqui que não dorme mais a noite!
    O que falar desse texto?
    Ah sou sua fã e amoooooo quando vc fala dos arquétipos. ^^

    ;)

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  2. Ah antes de ir, vou falar uma coisinha que tenho observado. Alguns autores de novela tenta dar uma mudadinha leve na grande fórmula de sucesso, como por exemplo, o vilão se dá bem no final, uma protagonista negra, um galão negro (embora a sua postura com as mulheres seja duvidosa) e por aí vai... O ponto onde quero chegar é que o público ainda não se acostumou com isso e ouço muitos esbravejarem, pq "Clara Medeiros" e "Bia Falcão" se deram bem no final, ou ainda pq a "Helena" negra é uma chata e não combinou com o papel...Será que a postura do público dificulta a criatividade dos autores que tentam mudar um unico ingrediente da fórmula? Será que este público de novela está pronto para mudanças e contato com a realidade televisiva?

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  3. Olá, Henrique!

    Estava no Facebook e vi seu blog. O assunto a respeito das novelas me interessou.

    As novelas tiveram e ainda têm, de certa forma, um poder muito grande de influenciar as pessoas. Estou de acordo que hoje em dia elas são feitas somente para gerar lucro, isso é visível, porém, já foram muito importantes dentro da sociedade. Na época da ditadura, as novelas eram um meio que a sociedade tinha de expor o que estavam sentindo e pelo que estavam passando, isso é, quando não eram censuradas. Muitos assuntos não abordados em casa pelos pais com seus filhos, muitas doenças desconhecidas pelas pessoas, preconceitos e outros assuntos foram colocados à nossa frente para que tomássemos conhecimento. Temos que levar em consideração que apesar de tanta tecnologia disponível, tanta informação, muita gente ainda não tem o hábito de ler um jornal, de navegar na internet, de buscar informações. E as notícias que os jornais transmitem pela TV não são totalmente absorvidas pelas pessoas. Muitas dessas pessoas, ainda têm como diversão, assistir ao Faustão no domingo, gostando eu ou não. Essa é a realidade. As novelas não fazem sucesso somente no Brasil, fazem sucesso também no México, Venezuela e outros países. Elas acabam fazendo parte da Cultura. Não posso comparar filmes com novelas, pois é um mundo muito diferente um do outro, então, não me atrevo.
    Gosto de algumas novelas pelo divertimento, por me fazerem rir e pensar, apesar que atualmente não tenho visto nada bom. Não digo que tenho tempo para parar e assistir, mas acho bom quando estou em frente à televisão e consigo rir com alguma novela, a Ti Ti Ti, uma novela antiga, tem esse poder. Não sou a favor de acabarem com as novelas, sou a favor de uma mudança na maneira de escrever.

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  4. Prezada driquerida,
    (Dormir é para os fracos!) XD
    Acredito que em grande parte o público não está pronto para mudanças no estilo narrativo, por isso rejeitam toda novela que ousa um pouco mais. Afinal, é possível ver algumas tentativas frustradas dessa mudança por parte de alguns autores.

    Prezada Luciléia,
    Não só as novelas, como a música, a literatura e toda forma de expressão artística foram utilizadas como forma de protesto no período repressor da ditadura. Mas, como toda boa ideologia, existem aqueles dispostos a corromper o formato da novela e usá-la somente para interesses próprios, em detrimento da cultura do País.

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  5. Sou uma antiga no quesito novela. Mas ouso comentar que quanto mais baixa for temática da, mais audiência ela terá. Pq? As pessoas não sabem pensar, elas querem pronto, raciocínio barato e rápido para uma diversão sem futuro. O mundo das facilidades é tentador, mesmo que corrompa princípios que há gerações preservamos. Ainda tive que ouvir a Record dizer que a nova novela Rebeldes nos ensinará a entender a cabeça dos jovens... me desculpa! Na verdade? Prefiro telejornais e seriados inteligentes!

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  6. Olá Milena!
    Valeu por estar seguindo o blog!

    Concordo com vc q quanto mais superficial o tema, maior a aceitação do grande público. Talvez pq as pessoas não gostem de pensar, ou talvez estejam cansadas demais para pensar depois de um dia estressante de trabalho.

    Assim como vc sou fã de séries e em breve estarei escrevendo sobre esse assunto aqui.
    Obrigado e até mais!

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