11 de março de 2011

Análise: Cisne Negro


Por Henrique Martins 

(ATENÇÃO! Este texto contém spoilers).

Cisne Negro, do diretor Darren Aronofsky, nos remete à estranheza daqueles filmes que a primeira vista não se propõem a nada. Por exemplo, não há uma mensagem explícita como em Matrix (Seu mundo não é real!) na qual todo o roteiro se desenrola em cima desse conceito apresentado e estabelecido. Nesse sentido, Cisne Negro aproxima-se de filmes como o recente Onde Vivem os Monstros ou Clube da Luta, nos quais as mensagens realmente importantes estão veladas e é preciso um certo esforço mental para compreendê-las.
A história de Nina Sayers (Natalie Portman), uma bailarina obcecada pela perfeição, nos traz toda a carga dramática de um bom suspense psicológico. Se ficasse apenas por aí o filme já renderia um razoável thriller cult, daqueles que não nos apegamos e esquecemos totalmente em questão de dias. Mas, além das óbvias referências dualistas do filme, (Bem/Mal, Yin/Yang, Branco/Escuro) Cisne Negro disserta brilhantemente sobre sociopatias e de como tendências perfeccionistas - levadas às últimas consequências - podem desvirtuar a moral domada e reprimida de uma simples bailarina.
Nina sonha em estar à altura do papel principal do balé O Lago dos Cisnes e – mesmo de forma não consciente – está disposta a QUALQUER COISA para atingir esse objetivo. Aí então entra o caráter dual e progressivamente paranóico do filme. Ela já possui toda a técnica e graça para interpretar o papel do Cisne Branco, mas está longe de demonstrar a ousadia e imponência do Cisne Negro.
Seu coreógrafo, Thomas Leroy (Vincent Cassel), sabe que ela é tacanha demais para convencer como Cisne Negro e a ajuda a buscar inspiração no “lado negro da Força” (sexo, inveja, sexo, ódio, sexo, ressentimento, sexo, mágoas). Para piorar sua situação (ou melhorar) aparece Lily (Mila Kunis), uma bailarina que é exatamente o oposto de Nina. Enquanto Nina é fria e insegura, Lily é acolhedora e segura de si. Enquanto Nina é perfeita em seus movimentos marcados e sem emoção, Lily não possui tanta técnica, mas consegue seduzir com sua extroversão e ousadia. Ora, a crescente ameaça de Lily ao seu papel, regado a uma boa dose de paranóia, era tudo o que a mente perturbada de Nina – afeita aos parâmetros de perfeição técnica – precisava para se tornar uma sociopata interna.

 

Em meio às alucinações e delírios da bailarina percebemos progressivamente a opressão da mãe, Erika (Barbara Hershey), uma ex-bailarina que não pôde continuar a profissão, pois teve que criar Nina e, por isso, joga toda essa carga emocional (e sua fama não realizada) em cima da filha. Logo compreendemos que a obsessão de Nina pela perfeição é apenas uma extensão dos sentimentos obscuros da mãe, de sua ânsia pelo sucesso que não pôde realizar devido ao nascimento da própria filha. Não fica explícito se ela culpa Nina por sua derrota, mas Nina certamente acredita nesta culpa e se sente oprimida pela superproteção materna (uma imagem que ilustra bem isso é a ausência de trancas nas portas de sua casa, um símbolo da falta de privacidade e consequentemente da excessiva proteção).
 Se fossemos traduzir a história em bases arquetípicas, a mãe certamente seria uma espécie de Carcereira da Inocência Perdida de Nina, buscando debilmente resgatar sua própria bailarina interior e projetando tudo isso de forma destrutiva no presente e futuro da filha. Thomas seria o Tutor Espiritual, aquele que chama a Heroína (Nina) para a jornada e a auxilia no caminho. Já Lily – ao contrário do que pensam muitos que viram o filme superficialmente – não é o “Darth Vader” da história. No final fica explícito que Nina projetou Lily como o próprio Mal, mas quem conheceu o Mal foi ela mesma. A imagem da Lily que ela projetava em seus delírios era sua própria Sombra, o verdadeiro Cisne Negro. Mas essa projeção era nada mais do que uma faceta temida e reprimida de sua própria personalidade. Entretanto, mesmo a revelia, ela sabia que precisava afundar neste sombrio recanto mental, caso contrário não poderia interpretar os dois Cisnes com maestria. Então, no final, a Heroína torna-se a própria Vilã. E é nesse ponto que o filme brilha!


O Cisne Branco dentro dela, cheio de sofrimento e pesar, conhece a liberdade incompreendida do Cisne Negro, e vice-versa. O conceito de Yin Yang diz que cada vez que uma das forças atinge seu nível máximo esta revela dentro de si um pequeno germe de seu oposto. Ou seja, dentro de cada um existe, pelo menos, um pouco do outro.
Nina precisou conhecer a essência libertadora do Mal, precisou decompor sua própria moral correta – porém fraca e covarde – para adquirir a força e o charme descompromissado do Cisne Negro. Em outras palavras, Nina é tão perfeccionista que buscou a perfeição até mesmo quando precisou ser imperfeita. Por fim Nina torna-se um legítimo Cisne Negro, perfeito em sua imperfeição.


Segue abaixo o trailer do filme:

6 comentários:

  1. Ótima análise, pois foge da superficialidade de dizer se o filme é bom ou ruim e lança verdadeira profundidade filosófica que o filme tem.
    ;)

    ResponderExcluir
  2. É mendigo mesmo heim? Escrevendo no "BROG" as cinco da manhã!! ahuhahauhuahua

    Agora é serio! Só tenho um comentário a fazer: "Por fim Nina torna-se um legítimo Cisne Negro, perfeito em sua imperfeição."
    Descreve "perfeitamente"! ;)

    ResponderExcluir
  3. Muito boa a crítica! Fica analogia:
    "Confessando bem / todo mundo faz pecado / logo assim que a missa termina / todo mundo tem um primeiro namorado / só a bailarina que não tem"
    Chico Buarque/Edu Lobo

    ResponderExcluir
  4. Uau! Perfeita mesmo! Fiquei louca para assistir o filme logo que vi o trailer, li seu post e tive que ir assistir! Filme muito bom e ótima iniciativa! Amo ler coisas inteligentes, com a pitada de humor, então! Parabéns! Indicarei!

    ResponderExcluir
  5. Obrigado a todos que apreciaram minha crítica do Cisne Negro. =)
    Em breve pretendo fazer outras críticas de outros filmes interessantes. Conto com a participação da vocês!

    ResponderExcluir
  6. Nossa que legal vc conseguiu fazer a Mila ver um filme!
    Eu insisti por meses para ela ver Entrevista com o Vampiro, até emprestei o filme pra ela. E adivinha? Ela me devolveu o filme sem nem ter tentado, nem sequer para utilizá-lo como sonífero... kkkkkk
    (Isso pq falei pessoalmente e ela adora filmes)

    Isso é muito bom para um crítico.
    Logo logo colocaremos em prática o projeto cinema! \o/

    ResponderExcluir