30 de abril de 2011

O Casamento Irreal


Por Henrique Martins

Acordo com a TV da sala alta. Da última vez que isso aconteceu um tsunami tinha detonado o Japão. Levanto-me para sondar o noticiário e me decepciono com a importância “real” da notícia (trocadilho proposital). A versão masculina da finada princesa Diana estava se casando com uma tal de Lady Kate (se você se lembrou do Zorra Total pode se envergonhar).
            Dois bilhões de desocupados telespectadores estavam assistindo ao “casamento do século”. Importante notar que o casamento do século passado foi o da Lady Di – que infelizmente terminou em traições e morte – mas isso não vem ao caso. A superexposição desse tipo de futilidade demonstra claramente a visão em cone da imprensa, na qual sempre existe um assunto-mor em pauta, independente do valor da notícia. Uma energia de trabalho incrível dispensada em milhares de artigos, matérias e notas sobre o véu da noiva, a maquiagem simples da noiva, a ausência de beijo cinematográfico dos noivos, David Beckham entre os convidados ou o nobre cocô do cavalo do soldado no trajeto até o Palácio de Buckingham (Será isso uma quebra de protocolo?).
Foto autoexplicativa.
O cortejo real é o carnaval da tradicional cultura britânica. Um culto soberbo à “imortalidade” da família real. Sua carruagem é um carro alegórico sem plumas e paetês, porém imerso em dispendiosa extravagância. Coberto de uma suposta glória que faz brilhar os olhos de mentes frágeis e inocentes.  Obviamente que a Inglaterra não dá ponto sem nó. Por baixo dos panos dourados eles estão faturando bilhões em turismo por conta do casamento real. Entra século e sai século e a historinha da plebéia que se casa com um príncipe continua sendo um símbolo revivido e recontado exaustivas vezes em todos os meios de comunicação (filmes, livros, seriados, novelas, noticiários) e com a mesma audiência do público. Ora, apesar do óbvio caráter sensacionalista da imprensa o verdadeiro sustentador desse tipo de frivolidade é o próprio público. A grande massa é leviana, gosta de assistir futilidades. Afinal, poucos se aprazem de ficar vendo tragédias, assassinatos, estupros e latrocínios o tempo todo na TV. O problema desse tipo de comportamento é que todos já se esqueceram do tufão nos Estados Unidos, da crise nuclear do Japão ou do maluco do Omar Kadafi.
Ou seja, de certa forma, não se pode culpar nem os britânicos, nem a imprensa, nem o público pelo culto à família real. Ambos são joguetes, marionetes de um comportamento humano típico, presente em todas as camadas da sociedade: Endeusamento. Alguns exemplos característicos: Rei Roberto Carlos, Rei Pelé, Rainha Xuxa, Rainha Hortência, Gretchen, a Rainha do rebolado, Adriano, o Imperador, Ronaldo Fenômeno, Maradona (esse é praticamente o presidente da Argentina). Isso sem contar os “deuses” e “deusas” do showbizz: Michael Jackson (literalmente o Rei do Pop), Elvis Presley, Frank Sinatra, Bob Marley, Madonna, Beyonce, Lady Gaga, Justin Bieber Biba. Claro que muitos desses possuem ou possuíam um talento indiscutível, mas mesmo isso não justifica o endeusamento de um ser humano que come, respira e usa vasos sanitários como qualquer um de nós.
Fã insano de Justin Biba corta o braço em homenagem ao ídolo. Okay... próximo!
O ser humano sempre precisou de ídolos para seguir. No início era o líder tribal, depois vieram os reis e imperadores, os grandes pensadores, os líderes religiosos, os políticos. Hoje os principais modelos são basicamente atores (e pseudo-atores), músicos (e pseudo-músicos), e toda sorte de gente que faz sucesso por qualquer baboseira online. Decerto que os valores sobre quais tipos de coisas merecem verdadeira admiração mudaram com o tempo. O advento da internet e a integração crescente dos meios de comunicação geram uma velocidade absurda às notícias. Ídolos surgem em um dia e caem no outro. Verdades tidas como absolutas ontem são completamente desmentidas hoje. No meio disso tudo se encontra uma massa oculta de xenófobos idiotizados, prontos para idolatrar o próximo “deus” e brigar com todos aqueles que não compartilham de seu fanatismo. E isso se aplica não só aos fãs alucinados de qualquer ídolo de barro, mas também e principalmente à religião e a ideais políticos.
Nesse panorama, o pecado capital da soberba continua sendo retro-alimentado pelas suas próprias vítimas. John Lennon disse que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo. Um moleque como Justin Bieber diz que é mais famoso que Deus. Fãs histéricas desmaiam em show do Luan Santana. Mais de 900 fanáticos religiosos, incluindo crianças, cometeram suicídio coletivo em Jonestown. Enfim, o problema não é só o endeusamento por parte dos fãs, o pior é o ídolo que esquece que é feito de carne, osso e tripa e acredita que é realmente um deus, que está acima do bem e do mal. Muitos pensaram que depois de Hitler a eugenia estava com seus dias contados, mas tem muita gente por aí (não necessariamente famosa) que realmente pensa que tem sangue azul.
A maior diferença entre esses grupos é que um deles possui armas.
Por outro lado, podemos realmente culpá-los? Será que teríamos a aparente discrição e equilíbrio do príncipe William vendo meio mundo aos seus pés? Ora, a riqueza também é uma grande prova para o orgulho e para a arrogância. Será que não seríamos armadilhas fáceis de todo tipo de prazeres mundanos? Será que  não enxergaríamos a humildade e a idoneidade como “coisas de pobre”? Quantos artistas hollywoodianos já foram para a reabilitação?
O que faz um rei são seus súditos. O que faz um deus são seus fiéis. Ou seja, ninguém possui “realeza” intrínseca. São as pessoas que lhes atribuem valor.